23 junho, 2008

A VIDA E A MORTE NA DANÇA DO SEM SENTIDO

Por Glauco Kaizer

Enquanto os “grandes” líderes mundiais investem trilhões de dólares na indústria da morte (fabricação de armas e afins), milhares de pessoas em todo mundo são inapelavelmente dizimadas pela fome. Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz, o aumento nesse nefasto investimento chegou à monta de 1,34 trilhões. E nesse fúnebre mercado, o USA segue líder no ranking da venda e da manutenção da morte. Soma-se ainda o fato de que a maioria das nações que infelizmente participam desse ranking são “cristãs”, i.e., tem Jesus Cristo como fundamento de sua fé (Bem aventurados os pacificadores...).
Vivemos na era da barbárie e do sem sentido. Quem poderia pensar que presenciaríamos a banalização completa da vida em função do interesse inescrupuloso de uma minoria ensandecida pelo projeto do capital?
Na dança do sem sentido, vivos e mortos não se distinguem. Uns porque já descansam à sombra da morte; outros por fazerem sombra para morte, que tranquilamente descansa em cada consciência que finge não percebê-la.

08 junho, 2008

Conferência com José Comblin

Por Glauco Kaizer

Ontem, 07 de junho, tivemos a belíssima oportunidade de participar de um encontro com o teólogo, padre José Comblin, residente no país há várias décadas e um dos grandes conhecedores dos problemas teológicos e eclesiais da América Latina. O encontro foi organizado pela Diocese Anglicana do Rio de Janeiro (Centro de Estudos Anglicanos – CEA) e foi realizado no templo Martin Luther - Igreja Luterana, rua Carlos Sampaio, 251 - Praça da Cruz Vermelha.
O evento contou com a participação de membros das diversas igrejas cristãs. Foi uma celebração à Fé em Jesus Cristo e ao diálogo ecumênico.
O Encontro de Formação e Diálogo Transreligioso reuniu-se sob o tema: “O Jesus que existiu é o Cristo em quem acreditamos?”. Comblin fez a grave advertência quanto a recorrente prática de se usar a religião cristã como difusora de uma ideologia de poder e da legitimação deste. Segundo ele, o problema básico dos pobres é, desde Constantino, a ideologização da imagem de Jesus como legitimadora de poder.
A participação dos leigos foi efetiva. No entanto sentimos a falta dos estudantes de teologia (havia apenas uns poucos). Não é todo dia que temos a oportunidade, GRATUITAMENTE, de escutar teólogos de tal envergadura. Entretanto foi um grande acontecimento para o pensar e fazer teológico como também para o diálogo ecumênico.

03 junho, 2008

Até logo Laécia!

Por Glauco Kaizer

Há uns meses atrás uma homenagem foi prestada à memória do professor Antonio Gouvêa Mendonça, importante teólogo, sociólogo e escritor. Homem que dedicou sua vida aos estudos e a pesquisa científica, sobretudo, dos caminhos percorridos pelo protestantismo em sua instalação em solo brasileiro. Homenagem essa muito mais do que justa.
Hoje prestamos nossa homenagem a uma pessoa que não escreveu seu nome nos anais da pesquisa cientifica, mas o escreveu em nossos corações e em nosso pensamento, que não cansam de chorar sua falta e sua saudade. Escreveu sim! E não há quem tenha convivido com Laécia, mesmo que poucos momentos, que não sinta-se minguado de um pedaço importante de sua própria história e de sua existência. Afinal de contas ninguém existe só e para si mesmo. E quem pensa dessa maneira é um espectro, é incorpóreo; ou melhor... não é.
Comungamos a mesma saudade e por meio dela fazemos nossa homenagem a alguém que comeu conosco, sorriu conosco, se indignou conosco; mas também se emocionou quando de nossos infortúnios tomou partido, fazendo-se presença apaziguadora; que sentou pelos cantos desse tão grande espaço e conversou conosco a respeito de pretensões urgentes, do destino dos homens; mas que, no entanto, com uma profunda leveza se entregava as amenidades.
Nosso silêncio revela a grande reverência e perplexidade que ainda temos diante da morte. Contudo, quem vive a experiência do amor mediante à pessoa de Jesus não experimenta a morte. Não a morte como aniquilação de toda esperança; não a morte como desespero; do contrário, a morte é senão a finalidade que serve à plenitude.
Nunca estamos preparados para uma verdadeira despedida. Estamos acostumados com o “até logo”. E é assim que nos despedimos postumamente de nossa saudosa amiga e irmã Laécia: até logo! As palavras de amor e de afeto que, por um motivo ou por outro, não as dissemos, as entregamos agora no silencio de nossa contrição, como reverência a sua memória.
Nossa amiga-irmã foi recostar-se à sombra do mistério. E dela agora o mistério se ocupa mais de perto, acolhendo-a com sua doçura e com seu afeto. Ele a chama de seu pequeno lírio, objeto e sujeito de seu intenso cuidado. E lá, recostada à sombra do mistério, nossa saudosa amiga, à aurora derradeira, tranqüila e serena, é acalentada e acolhida.

02 junho, 2008

Celebrando a vida da irmã, aluna e amiga Laécia

Por Nelson Marriel

Ah, como é complicado falar de perda, discorrer sobre a morte. É muito difícil perder uma amiga, um ente querido. São tantos os sentimentos suscitados. Muitas das vezes nos vêm raiva, revolta; misturadas de saudade e solidão, tristeza e esperança. Francisco de Assis tem um texto que mexe comigo, que me toca e acende em mim esperança e alegria pela vida. Vem a mim o sentimento de gratidão a Deus por ter tido o privilégio de ter compartilhado alguns momentos, algumas palavras, alguns fragmentos de vida com a Laecia. O texto que me refiro são as palavras de Francisco de Assis ao se aproximar da morte, diz ele: Vem, irmã minha. Vem, irmã morte! Leva-me à fonte da vida! Conduze-me ao coração do Pai de bondade! Introduze-me no seio da Mãe de infinita ternura!

Porque temos tanta necessidade por explicar tudo? Explicar a morte, para quê? Há uma busca tão grande de nós humanos em dar razão a tudo, sem olhar o todo. A vida tem a sua própria razão. Viver e morrer fazem parte do todo e do tudo - ser e estar sendo. Parafraseando meu amigo e irmão Edson Almeida “O sentido, tão desejado da morte, como o da vida talvez esteja na junção das linguagens explicativas com as linguagens potencialmente emotivas. Ou seja, é momento de redescobrir o poder força das linguagens mítico/poético/artísticas, para falar das profundezas do ser, para chegar à dimensão do mistério de todas as coisas, de todos os homens e de todas as mulheres”...
É preciso chegar:
aquele lugar em que a vida se apresenta maior, imperceptível, distante, ausente de um esquema de entendimento sem compreensão, de conhecimento sem sabedoria. Aquele momento em que a vida se desprende daquelas representações que a vêem como um emaranhado de ossos, músculos, pele, secreções químicas, palavras, significados. É necessário abrir-se pro mistério.
a linguagem poética, que talvez seja a que permita atravessar por essa força expressiva das coisas, dos afetos, dos acontecimentos, dos encontros e desencontros na nossa vida e de nosso viver. Para perceber o outro, o eu, o tu, para perceber Laecia, para se despedir de Laecia.

É preciso chegar ao nome e descobrir que “Um Nome” pode revelar mais do que está visível, do que é imediato. O que está para além do corpo, da aluna, do ser, que foi e que é a Laecia. O amor, é como a rosa, não tem por quês, floresce porque floresce...
A Laecia é, foi, e sempre será... Laecia, aluna, mulher, amiga. Por isso é possível falar de espírito do enternecimento a espiritualidade do amor como sua dimensão misteriosa... “Mistério sempre há de pintar por aí”, como bem afirma o poeta. E por isso mesmo esse momento tem a ver com a possibilidade de fazer uma experiência expressiva da vida – falar sobre a Laecia, seus sonhos, seu desejo de estudar teologia, suas angustias, alegrias. É possível sorrir, lembrar, falar, dizer seu nome. Não se trata de negar a morte. Mas experimentar a dor. Dar graça pela vida, pela saudade e pelas feridas que ela abre e as novas possibilidades que elas propiciam.

Miguel de Unamuno, afirma: “Estou convencido de que resolveríamos muitas coisas se saindo todos à rua e exibindo à luz do dia nossas penas, que – talvez se revelassem uma só pena comum – nos puséssemos a chorá-las, a dar gritos para o céu e clamar a Deus. Mesmo que não nos ouvisse, nos ouviria, sim. A maior santidade de um templo é ser um lugar que se vai à orar em comum. Um miserere cantado por uma multidão castigada pelo destino vale tanto quanto uma filosofia.”
Conclui Unamumo: “Não basta curar a peste, é preciso saber chorá-la.”

É para isso que abrimos esse momento nesta celebração, nesse culto. Eis o sentido em dar ações de graças pela vida da Laecia, é preciso dar um sentido a essa dor, “é preciso saber chorá-la” - é preciso fazer da dor uma liturgia, é necessário um ritual para que a experiência da dor, do viver, seja possível. É preciso chorar a partida da Laecia para que possamos crer e dizer, que nessa experiência da morte a vida tem sentido. Vale a pena viver. É na experiência dessa saudade, no experimentar a ausência que todos nós, podemos dar graça. Só assim podemos louvar e nos alegrar pela oportunidade que tivemos de conviver com a Laecia. Mas do que isso, agradecer por ela estar dentro de nós e entre nós: em gesto, em cada palavra, em cada aluno, em cada professor, em nossas lutas, em nossos sonhos, em cada lembrança...

Esse é o momento de Um Pai Nosso, de uma oração, de um dizer, de um calar-se – é momento de silêncio... É momento de entrar em contato, de tocar e ser tocado pelo olhar uns dos outros, nos deixar tocar pelo espírito de Deus – Senhor da vida e da morte. É momento de dar sentido àquilo que talvez para muitos não tenha sentido - a morte. É tempo de mostrar os sentidos: os sentimentos, as emoções, as razões que a cabeça desconhece; ou quem sabe, é momento de dar sentido a tudo aquilo que muitas das vezes tentamos negar.

"Como não ter Deus? !
Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de agente ficar perdido no vai-vem, e a vida é burra. É o aperto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar... Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim, dá certo. Mas, se não tem Deus, então, agente não tem licença de coisa nenhuma! Se estou falando às flautas, o Senhor me corte. Meu modo é este."
Guimarães Rosa. Grande Sertões Veredas.

01 junho, 2008

Oração de Walter Rauschenbusch

Há pouco tempo participamos de uma conferência no Bennett com o teólogo metodista Helmut Renders. Ele falou amplamente sobre o teólogo batista Walter Rauschenbusch, muito conhecido por ter praticado e refletido sobre um evangelho com implicações sociais: social gospel. Com o objetivo de revelar ainda mais a profundidade e a espiritualidade deste teólogo, apresento uma oração de Rauschenbusch do livro "Orações Por Um Mundo Melhor" traduzido para o português pela editora Paulus, e que reflete a dimensão de seu pensamento como cristão:

Por este mundo


"Ó Deus, nós te damos graças por este universo, nosso lar; pela sua vastidão e riqueza, pela exuberância da vida que o enche e da qual somos parte. Nós te louvamos pela abóbada celeste e pelos ventos, grávidos de bençãos, pelas nuvens que navegam e as constelações, lá no alto. Nos te louvamos pelos oceanos, pelas correntes frescas, pelas montanhas que não se acabam, pelas árvores, pelo capim sob os nossos pés. Nós te louvamos pelos nossos sentidos: poder ver o esplendor da manhã, ouvir as canções dos namorados, sentir o hálito bom das flores da primavera. Dá-nos, rogamos-te, um coração aberto a toda esta alegria e a toda esta beleza, e livra s nossas almas da cegueira que vem da preocupação com as coisas da vida e das paixões, a ponto de passar sem ver e sem ouvir até mesmo quando a sarça, ao lado do caminho, se incendeia com a glória de Deus. Alarga em nós o senso de comunhão com todas as coisas vivas, nossas irmãs, a quem deste esta terra por lar, juntamente conosco. Lembramo-nos, com vergonha, de que no passado nos aproveitamos do nosso maior domínio e dele fizemos uso com crueldade sem limites, tanto assim que a voz da terra, que deveria ter subido a ti numa canção, tornou-se um gemido de dor. Que aprendamos que as coisas vivas não vivem só para nós; que elas vivem para si mesmas e para ti, que elas amam a doçura da tanto quanto nós, e te serve no seu lugar, melhor que nós no nosso. Quando chegar o nosso fim, e não mais pudermos fazer uso deste mundo, e tivermos de dar lugar a outros, que não deixemos coisa algumas destruída pela nossa ambição ou deformada pela nossa ignorância. Mas que passemos adiante nossa herança comum mais bela e mais doce, sem que lhe tenha sido tirado nada da sua fertilidade e alegria, e assim nossos corpos possam retornar em paz para o ventre da grande mãe que os nutriu e os nossos espíritos possam gozar da vida perfeita em ti."