15 setembro, 2010

No Sale!

No mundo tudo tem seu preço. Parece que não há nada que não tenha a possibilidade de ser mais um item de prateleira a espera de um comprador em potencial. Da natureza ao sagrado, tudo tem sido atravessado pelo processo de mercadorização, chegando ao ponto das relações humanas sofrerem esse mesmo efeito imposto à ordem das coisas. Daí varia. Há aqueles que se colocam a venda, como também há aqueles que se mostram dispostos a comprar. Diferentemente dos objetos, que são sacados do seu meio para tornarem-se mercadoria, os homens que assim se portam, colocam-se a disposição para comprar ou para vender, dependendo apenas da conveniência por trás do negócio. É de fato a comoditização do humano no mercado das relações utilitárias. A pessoa “mercadorizada” só vale como bem de consumo e nada mais.
Isso não é nada novo. No passado não muito distante, até títulos religiosos foram vendidos a famílias nobres das sociedades. Por um bom preço se poderia ocupar um bom cargo eclesiástico. O que parece não estar muito longe de nós, a ponto de não ocorrer mais. Hoje talvez não se venda pelo dinheiro de nossas relações comerciais de praxe, mas se vende por apoio na moeda de um comprometimento incondicional; de um sim sempre dito, mesmo com o gosto do não na boca. Uma corrupção silenciosa, mas amarga.
Mas que bom que a relação com o doce carpinteiro não se funda sobre o pressuposto do utilitarismo comercial. É graça apenas! É dadivosidade! Lava nossos pés e não nos cobra o serviço; nos dá de comer, mas não traz a conta; mata a nossa sede, mas não cobra a água oferecida; paga a fiança, advoga nossa causa, liquida com o processo e não nos cobra pelos seus honorários.
Por que não aprendemos essas lições e desistimos de colocar preço para que as pessoas estejam conosco ou para que estejamos com elas? Por que ainda insistimos em orçar as pessoas em função daquilo que elas tem ou podem dar? Bem, fica aqui apenas um alerta para mim, que escrevo, e para você que lê. Para o carpinteiro Deus, ou para o Deus carpinteiro, como você quiser, o homem não tem preço, tem apenas valor. Mas não um valor flutuante de mercado, que hoje pode estar alto e amanhã não. Para Deus não há recessão afetiva, por isso o valor do outro é sempre maior, a ponto de hipotecar-se numa cruz como conseqüência da valorizar aqueles que muitos desejavam falidos.

02 setembro, 2010

Do culto alienante ao culto da vida

Estamos diante do ponto mais candente dos embates de Jesus com as forças heterônomas de seu tempo: o templo e o culto. Antes de entrarmos nesse ponto nevrálgico, devemos entender a função do templo.
Segundo Jon Dominc Crossan:

O templo mediava não apenas a presença de Deus, mas também seu perdão. Era o único local de sacrifício – que é o caminho do perdão. Segundo a teologia do templo, alguns pecados só poderiam ser perdoados e algumas impurezas só poderiam ser tratadas através do sacrifício neste lugar.[...] o templo mediava o acesso a Deus. Estar no templo, purificado e perdoado, era estar na presença dele.

Como era de se esperar, milhares de pessoas confluíam para o templo pelo menos uma vez por ano para o ritual dos sacrifícios. Era o centro de devoção de todo povo. O coração religioso da nação Israelita. Entretanto, o templo se tornou motivo de exploração e seu culto se torna alienante.
Estavam ligados ao templo, segundo Rinaldo Fabris:

... grupos ou classe sacerdotais e, em particular, as grandes famílias de Jerusalém, sacerdotais ou leigas, cujo o prestígio social e fortuna estavam vinculados a função religiosa do tempo.

O culto era o grande eixo econômico para a cidade de Jerusalém. Pelo menos dois dízimos eram entregues nesta casa. Um de cunho obrigatório, e o outro que o religioso devia gastar em Jerusalém. Era proibido gastar esse último dízimo noutro lugar que não a cidade de Jerusalém. Havia o interesse direto da aristocracia judaica, já que esta vivia e engordava a custa da exploração religiosa e a miséria do povo.
Jesus, porém, se coloca contra esse estratagema absurdo. A tradição sinótica cita dois grandes momentos de conflito entre Jesus e templo, em função desse culto idolátrico. Em um deles Jesus expulsa os cambistas – um templo instrumentalizado para a cobertura e álibi religioso da injustiça (Mc 11, 15); em outro ele anuncia profeticamente a destruição do templo (Mc 13, 2).
Como os profetas no passado, Jesus denuncia o culto deturpado e corrompido, que pensa que pode manobrar a Deus, substituindo a entrega real a ele por meio de ações que almejam assegurar o seu favor.

Jesus muda o conceito de culto. Se prestar culto a Deus significa honrá-lo, o que honra a Deus não é a submissão do homem, senão a semelhança do homem com ele, como a do filho do Pai.

Trocando em miúdos, o que Deus quer é um culto que transborde em todas as direções e não apenas um evento com dia e hora marcados. Tornar-se semelhante, nesta perspectiva, significa entregar-se ao dinamismo de amor, uma vez que Deus é amor. Se doar para buscar o bem que a todos atinja, esse é o grande culto. Além disso, a prática desse culto não reclama um espaço sagrado. Ele se realiza na vida, ininterruptamente. Vida animada pelo amor: esse é o culto.
Glauco Kaizer